HISTORINHA DE DIVÓRCIO Na separação judicial, não há discussão de culpa
José ajuizou em junho de 2010 um pedido de separação litigiosa contra sua mulher Maria, imputando-lhe infidelidade e culpa pela separação. Na audiência preliminar ela compareceu com seu advogado e concordou em realizar a separação amigável, sem discutir a culpa, pois embora negasse o fato não queria expor sua vida íntima em Juízo. O marido não concordou, pois queria provar a culpa de Maria e, em consequência, não pagar-lhe pensão alimentícia ou fazê-la em pequeno valor.
Maria apresentou defesa negando a infidelidade, porém manifestando a concordância com a separação por ser insuportável a vida em comum, decorrente do ciúme doentio de José. Disse necessitar da pensão alimentícia, já que não teve oportunidade para trabalhar fora do lar, impedida pelo autor, e não teve condições de adentrar no mercado de trabalho, não podendo sustentar a si e aos filhos do casal.
Com a vigência da Emenda Constitucional 66 de 13 de julho de 2010, Maria peticionou ao Juiz que ouvisse o autor e que, uma vez ele concordando, fosse o processo convertido em divórcio imediato, sem discussão de culpa, salientando, mais, que diante da nova ordem constitucional não foram recepcionados os dispositivos do Código Civil a respeito da separação legal, mantidas apenas as situações já existentes. Ouvido, José não concordou com a conversão, insistindo no prosseguimento do processo de separação judicial para provar a culpa.
O juiz, por se filiar à corrente dos que entendem ainda persistir a separação judicial e o direito da parte de discutir a culpa para fins de alimentos, indeferiu o pleito da mulher e designou audiência de instrução e julgamento para novembro de 2010. Ela então ajuizou duas ações contra o marido, a primeira postulando pensão alimentícia para si mesma e a segunda apenas de divórcio, com base na Emenda Constitucional 66, pela impossibilidade de vida em comum do casal.
Na ação de alimentos o Juiz designou nova audiência de tentativa de conciliação para agosto, mas no tocante ao processo de divórcio determinou a citação de José para contestá-la em 15 dias. Ele contestou o pedido de divórcio dizendo que não poderia ser acolhido, uma vez que tramitava a separação judicial na qual era indispensável a prova da culpa. O Promotor de Justiça opinou pelo acolhimento do pedido de divórcio e sua decretação, posto não existir litispendência e ser direito da mulher a dissolução do matrimônio a qualquer tempo, independentemente de prévia separação legal ou de fato, ou da existência do requisito subjetivo da culpa ou do requisito objetivo de tempo de matrimônio.
Conclusos os autos para o Juiz, passou ele a examinar os argumentos das partes e a rever seus conceitos. Concluiu que de fato assistia a Maria o direito de pedir o divórcio, não havendo litispendência em relação ao pedido de separação. Concluiu, mais, que em conformidade com a nova ordem constitucional vigente, o Judiciário somente pode negar o divórcio se o requerente não for casado, posto não persistir mais qualquer requisito objetivo ou subjetivo para a sua concessão, a não ser o mencionado estado civil. Concluiu, ainda, que uma vez decretado o divórcio, prejudicado ficará o pedido de separação judicial cuja audiência estava prevista para novembro, por total perda do objeto, decorrente de fato superveniente mais amplo. E quanto à culpa pela ruptura da vida em comum, que em tese poderia José discutir na ação de alimentos, pensando melhor, entendeu o Juiz que a verba alimentar, por ser indispensável à sobrevivência de quem a pede, diz respeito à própria dignidade da pessoa humana. Assim, se mostra absolutamente inconstitucional o dispositivo do Código Civil que tenta interferir na sua fixação com base na culpa, por violar o artigo 1º, inciso III, da Constituição da República. E indo além, verificou o Magistrado que a obrigatoriedade de se examinar a culpa na separação para fins de fixação da verba alimentar invade a vida íntima das partes, de modo que também por esse motivo se mostra flagrantemente inconstitucional o artigo 1.694, parágrafo 2º, do Código Civil, ao afrontar o artigo 5º, inciso X, da Carta Magna.
Por fim, entendeu o Juiz que mesmo fechando os olhos para a Constituição, se torna inaplicável o tabelamento da pensão alimentícia com base na culpa de um dos ex-cônjuges, por entrar em choque com outras normas preponderantes, dentre elas com o próprio artigo 1.694, parágrafo 1º, do Código Civil, os quais estabelecem que a verba alimentar deve levar em conta a necessidade do alimentando e a possibilidade do alimentante, não podendo a culpa ser motivo para reduzir a necessidade abaixo da própria necessidade.
Entendeu aquele Juiz inicialmente arredio à mudança da nova ordem, sem necessitar se socorrer à doutrina dos mais abalizados mestres e doutores, ou sequer deitar os olhos sobre as razões históricas que levaram o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) a advogar a causa e sobre as justificativas dos Deputados Sérgio Barradas Carneiro e Antônio Carlos Biscaia na apresentação da proposta de Emenda Constitucional, que definitivamente não mais persiste o instituto da separação legal, seja em juízo ou em cartório, e muito menos a discussão de culpa para fixação dos alimentos.